sexta-feira, 5 de junho de 2009

Angola, o que é, Luanda?

28 dias em Luanda, em Angola, em África. Parto desta cidade, deste continente sem conseguir entender este povo tão complexo, patriota, sonhador, guerreiro. Esta terra mágica, contraditória, rica, utópica. Mas carrego comigo o cheiro das ruas, os olhos das crianças, as cores das roupas, os passos das zungueiras, a areia da praia, a sinceridade das relações verdadeiras, esse orgulho de ser angolano que esse povo forte e múltiplo traz consigo. Estes últimos minutos em Luanda aceleram todo o sentimento que transporto impregnado na minha pele, no meu olhar renovado, na vontade de ser mais brasileiro, mais completo. No desejo de compartilhar, apertar a mão do amigo com a firmeza firme, íntegra e olhar fundo nos olhos. Cabinda, Lubango, quimbundo, umbundo, chocué, Huambo, Namibe, ndenge, soba, mumuila, pensador, ginguba com banana-pão, funge, Mussulo, a ilha. Enumero estas palavras que fotografadas na minha memória irão servir de rastros na tentativa de compreender esta terra tão parecida com o Brasil e tão fundamental no entendimento da minha história nas letras e imagens.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

As aulas na Televisão Pública de Angola


Após algum tempo por aqui - e quase partindo de volta ao Brasil - finalmente pude pensar sobre o que me trouxe à Angola. O curso que dei na TPA, a Televisão Pública de Angola (um dos poucos canais de TV nacionais. Existe ainda a TPA 2 e a novíssima TV Zimbo) foi um dos melhores cursos que já dei desde 2003 quando comecei a lecionar. Não por mérito meu, mas principalmente pela enorme vontade e energia dos alunos, a grande maioria produtores e diretores de programas, além iluminadores, e diretores de departamento. Muito também porque este curso é a realização de vontades muito antigas: ir à África e dar um curso de direção de fotografia mais completo, abrangendo desde a fisiologia do olho até Vermeer, chroma key, luz fria, concepção, etc. Certamente foi uma experiência única, digo foi, pois faltam apenas duas aulas para o fim do curso. E posso dizer que aprendi muito aqui, com meus aprendizes ávidos por conhecimento, com opiniões fortes, anseios, força. Eu me senti alimentado por esta força da qual os educadores vivem, que é a força de seus aprendizes, dos seus comuns abertos a receber e dar conhecimento, sem medo, sem receios. E senti também que pude "contaminar" estas pessoas com o meu amor pelo cinema, pela imagem, pela fotografia, e espero eu, pela vida. Pela vontade de criar imagem, som , mensagem, conteúdo, idéias.

sábado, 23 de maio de 2009

Para não ser apenas uma mina de ouro


Perplexo. Amplexo Complexo. Luanda me encontrou andando, pegou meu bonde e sentou na janelinha. Para onde olhar. Luanda é inevitavelmente um lugar inusitado. Não apenas por estar na África, continente distante, terra-mãe, continente exótico, místico, original. Inusitado por sua complexa mistura pouco dissolvida da cultura tradicional com a sempre presente cultura portuguesa, que introjetada na sociedade angolana construiu o país à sua moda, e os gringos que vêm ganhar seus milhões de dólares, ficando no país por dias, semanas, ou uns três meses.
Angola, e mais explicitamente Luanda, ainda está sendo construída, re-construída. E além dos guindastes, dos edifícios em construção, das roupas penduradas pelas janelas, as ruínas da guerra civil e as zungueiras vendendo mandioca, banana, cana, doces, e que fizeram fluir os mercados. Mulheres guerreiras e suas crianças, nos panos, nas costas, canguruzando pelas ruas. Para não ser apenas uma mina de ouro, petróleo e diamantes. Não reproduzir os dizeres, as imagens, os costumes. Deixar de querer ser o outro.
Após libertar-se do domínio português - foram 400 anos de colônia, de 1575 a 1975 - Angola esteve em guerra civil por 27 anos, de 1975 a 2002. Os três principais grupos que lutaram pela independência de Angola entraram em conflito pelo controle do país: a MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido ligado à ex-União Soviética e à Cuba, a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), ligada aos Estados Unidos e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelos Estados Unidos, o regime apartheid da África do Sul e outros países africanos.
Se o Brasil "libertou-se" do domínio político luso há 187 anos, expulsando aqueles brasileiros de volta à Lisboa, agora é referência para a música, as novelas, as roupas, o comportamento, os cabelos alisados das angolanas. Eu, novo brasileiro, busco aqui saber de onde vim. E de onde vem essa força toda de um povo que se sustenta com funge e vontade.

domingo, 17 de maio de 2009

Só mesmo em Luanda


Impressionante a imagem daqueles operários chineses sentados na platéia do programa "Jovem Mania", transmitido ao vivo todos os sábados pela TPA, a Televisão Pública de Angola. Ao lado deles, dezenas de jovens angolanos animados pelo show que é o programa. Os chineses foram chegando aos poucos e se juntando na parte lateral da platéia. Não fazem parte da cena. Quase todos de bermuda, camiseta e chinelo. Sábado! Dia de folga. Buscando um pouco de diversão, não entendem sequer uma palavra do português. Olham admirados para o cantor Kelly Silva, cantando música sertaneja como se fosse o Leonardo com o layout do Alexandre Pires. Atentos, riem das palhaçadas de dois jovens angolanos na platéia. Vieram construir o novo complexo de estúdios da TPA no Camama, bairro afastado do centro que está sendo urbanizado. Tento imaginar o que se passa na cabeça deles. Longe das famílias, trabalhando dia e noite ali, no meio do nada. Olhando ao redor dos prédios dos estúdios a amplidão provoca a sensação de estar no campo, tamanho é o vazio. O que pensam estes homens que caminham entre outros tão diferentes nesse encontro de duas culturas originais? Muito mais antigas do que a minha. Com tradições milenares. Uma mistura absolutamente surreal, quase criada. Sem a câmera fotográfica não pude registrar a imagem para mostrá-la depois. O registro ficou apenas na minha memória. Guardado para mim. E percebi que a fotografia, e a arte de maneira mais ampla, é mesmo uma forma de dividir sentimentos, impressões, desejos, um modo de compartilhar visões que ficariam apenas dentro de nossos próprios corpos. Estes corpos efêmeros. Ao fim do programa, os chineses caminham na escuridão de volta para os seus alojamentos. Eu não tiro da cabeça aquela imagem tão inusitada. 20 jovens chineses ao lado de 60 jovens angolanos em um estúdio de televisão. Só mesmo em Luanda.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vontade de comer mahine em Lubango


Entremeio de doce de morango. Leve, doce, suave. Ar que respira. Diante dele não respiro o mesmo ar que os angolanos que encontrei, olhei, cruzei, ultrapassei, que me olharam, me encararam, nem me viram. E ainda assim me faço leve. Este pedaço de bolo que trago à boca me faz consciente de meu estado e das minhas possibilidades. Ao olhá-lo parece um bolo comum, até pode ser como um bolo com recheio de geléia de morango, mas a maneria como recebe o garfo faz dele um bolo diferente. À maneira de como recebemos a coisas do mundo nos faz pessoas diferentes.
Hoje Carlitos me contou que na província de Cabinda a macumba é muito forte. E macumba não é um feitiço do mal, é apenas um feitiço. Conto então o contado. Um rapaz de Luanda vai morar em Cabinda devido ao seu trabalho. Depois de um tempo arruma uma namorada e casa-se com ela. Então, por motivo de trabalho volta a morar em Luanda, levando a esposa. Em Luanda ela adoece e morre. O rapaz faz o funeral da moça e segue para Cabinda com o objetivo de avisar a família do acontecido. Lá chegando chama à porta e quem atende é sua falecida esposa. Levada de volta pela família. Macumba. A simpatia de Carlitos de Lubango sustenta a leveza do bolo. Me faz estar na África. Histórias. Contados. Kimbandeiros. Me faz querer ver as palancas negras, da nota de 10 kwanzas, na província de Malange. Vontade de comer mahine em Lubango. As saudades de Carlitos.

Pequeno glossário

Lubango: cidade que fica no sul de Angola. Capital da província de Huíla.
Kimbandeiro: sacerdote de religiões tradicionais africanas.
Mahine: comida típica de Lubango. É uma mistura de funge (fubá) de milho com leite de vaca tirado na hora. Após comer, usa-se o resto do mahine como hidratante, passando-o pelo corpo.
Palanca negra: Animal originário das savanas da África austral. Sua figura está estampada na nota de 10 kwanzas, a moeda local.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Escassez de desânimo



Homens de camisa por todos os lados. Sentados. Em pé. Comendo. Andando. Falando. Fumando.
Em alemão, inglês, francês, português. Poucas são as mulheres. Business. Executivos. Propondo estratégias, pensando alternativas, manejando divisas. E surgem seis homens de branco vestidos como aiatolás e uma mulher de preto. Coberta. No salão do hotel. Todos usam sandálias de couro. Quem são eles? Executivos do petróleo? Há tanto por aqui. Passam por mim. Sentam juntos. Não os vejo mais. Eu aqui me vejo, conduzo os dias muito diverso. Meu papel é outro. Educar, treinar, formar, estimular, permitir, são os verbos mais apropriados. No lobby deste hotel sou o outro lado.
Aqui, no hoje chamado "el dorado" do mundo, o excesso de carros, a escassez de cloro, o excesso de gringos ávidos e sua ganância, a escassez de goles, o excesso de vontade de vencer e sobreviver, a escassez de desânimo. Pela janela do carro com AC (ar condicionado) vejo os olhos de meus compatriotas ao sul do Equador, o mesmo sul daquele Equador. Nossa diferença: água salgada. Cloreto de sódio, uns 30g/l. Que rachou a terra. Emigrou os sonhos. Elipsou as módicas mesquinharias. Uniu os olhares.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Eu-Ponto de Vista







Outra vez em um país estrangeiro. E só. Eram novamente pernas de navio*. Guindastes surpreendendo a cidade. Sustentando o sol. Longos braços e a-braços. Cortam céu. Estas máquinas gigantes ásperas e carinhosas ocupam toda Luanda.
Vi este lugar pela primeira vez com meus olhos, meus olhos de câmera. Com ela diante da face, máscara obturadora. E senti que assim eu estava mesmo olhando e vendo. Olhando e vendo mesmo. Pensando, opinando. Tomando uma posição sobre o que eu via. A fotografia, a imagem criada. Além do estímulo luminoso decodificado pelo cérebro. Fotografei, eu-ponto de vista, pela minha janela. Enquadrado. Iluminado. Melancólica fração de segundo. 1/500.

*Pernas que conhecem bem o mar, mas no solo seco, terra vermelha, estranham seu estado. Questionam seu estar.

domingo, 10 de maio de 2009

Chegada em Angola

O nome deste blog surgiu em homenagem ao primeiro nome da cidade de Luanda: São Paulo da Assunção de Loanda, fundada como uma vila em 25 de janeiro de 1576, no mesmo dia que a nossa São Paulo de Piratininga, no Brasil, mas 24 anos depois.
Após esta pequena introdução histórica, vamos às primeiras impressões...

É surpreendente a imagem da cidade logo na chegada. Haviam me falado, mas só vendo mesmo. No caminho entre o aeroporto e o hotel passei por ruas esburacadas (com alguns trechos alagadiços devido à chuva forte que houve no dia anterior) e por edifícios baixos com a fachada toda deteriorada, mas que tinham carros importados caríssimos na porta. Uma visão muito curiosa. Difícil de se imaginar.

Por outro lado, o povo é muito simpático, hospitaleiro e educado. Fui muito bem recebido.
A energia nas ruas, pessoas com roupas coloridas e aquela mesma força do brasileiro.

Também surpreendente é estar em um país que não é o Brasil e conversar com as pessoas em português. É estranho. Mesmo os estrangeiros falam português!